3 de mai. de 2007

Quem ama, espanca!

Faz tempo que eu queria comentar sobre esse assunto.
Tenho um amigo que costuma usar esse bordão ai em cima: "Quem ama, espanca"!
Ele fala isso na tentativa de me incomodar ("me zoar", manja?) sempre que o assunto é educação infantil, quando comento algo sobre meu filho ou alguma coisa relacionada à faculdade de pedagogia (que para os desavisados, está com a matrícula devidamente trancada por todo este ano). Mas depois de ouvir a denominação do método corretivo aplicado nas crianças do meu bairro, começo a concordar com ele.
Pois bem. A última moda na educação familiar da Vila Ivone, em especial na comunidade do Mata Porco, é simplesmente a "Madeirada". Por mais que eu tente me enganar, acreditando que esse nome é usado somente como uma metáfora para um corretivo mais drástico, não posso deixar de imaginar a origem do termo, e a possibilidade de que ele não seja assim tão metafórico.
Eu me lembro de gente da minha época de criança comentando surra de chinelo, cinta, vara de marmelo e equivalentes, mas a madeirada foi novidade. E dita na mais absoluta banalidade, não somente por faltas graves. E usada não somente pelas mães (não posso falar pelos pais, pois nunca vejo crianças com pais naquele lugar), mas pelos irmãos pouco maiores.
Ou seja, a meu ver, há toda uma "cultura do espancamento" naquele lugar, e imagino, no resto deste país todo. Um lugar onde uma "madeirada" é considerada uma medida aceitável de dizer ao outro que ele está errado. E olhando a situação social em que vivemos, o tamanho da violência banal e cotidiana que nos assola, percebo que isso, essa forma de pensar e agir, está tão entranhado em nós que jamais escaparemos dela. Qualquer voz dissonante sumirá em meio aos sons dos chinelos, cintas, madeiras, gritos e choros.

Muita da minha descrença atual com tudo relacionado à humanidade começou justamente com o aprofundamento nos estudos da pedagogia, e se estendeu a todas as áreas humanas, ao ser humano em si. Perdi a fé em nossa capacidade de realmente nos entendermos, nos aceitarmos, termos respeito verdadeiro uns com os outros, sermos solidários, nos esforçarmos em fazer as coisas funcionarem corretamente, em ajudarmos ao outro de maneira real e abnegada, ou simplesmente em sermos cidadãos, com todo o estofo que a palavra carrega, o que acarreta também respeito pelo planeta e seus limites.
Por conta disso, olho com certa amargura para meus antigos trabalhos voluntários, que no fundo nunca surtiram o menor efeito, exceto massagear o meu ego. Trabalhos como os que fazia com gestantes carentes, no abrigo de menores e tantos outros, me parecem hoje vazios de resultados, e diria mais, da mais elementar possibilidade de sucesso. Vejo hoje que, por mais que você se esforce, o mundo não quer o que você tem a oferecer. As pessoas querem o que querem e ponto. E reclamam se você não lhes dá. Mesmo que você ofereça filosofia embrulhada em um pão com mortadela, elas só querem o pão com mortadela (alguns, ainda com seus orgulhos intactos, podem querer só a mortadela, ou mesmo recusá-la). Mesmo que você ofereça conscientização sobre planejamento familiar e doenças sexualmente transmissíveis embrulhada em um lindo enxoval de bebê, elas só querem o enxoval, e ainda vão pedir uma cesta básica e fraldas descartáveis (veja bem, pessoas vivendo na miséria querendo fraldas descartáveis. "As fraldas de pano dão muito trabalho!"). Mesmo que você abrigue as crianças carentes, espancadas e/ou abandonadas, seus pais farão mais algumas (ou muitas), e farão tudo igual novamente, até que um juiz tire novamente a guarda e as coloquem em abrigos. E as meninas saídas dos abrigos vão engravidar precocemente como suas mães e perpetuar o ciclo de miséria. E é assim, nesse efeito cascata que vamos vivendo, transformando a situação social em uma coisa cada vez mais caótica, miserável e sem solução.
E antes que me digam o famoso bordão, já adianto: educação não resolve porra nenhuma! Porque mesmo que exista um professor bem intencionado e (raridade) realmente consciente e sem preconceitos, ele será uma vozinha tentando soar, inaudível (ou sendo ouvida como tediosa e sem graça), em um mundo barulhento que o tempo todo diz justamente o contrário, com cartazes, luminosos, neon, caixas acústicas, megafones, banda e fanfarra. E tudo isso com um tal de ECA tolhendo qualquer tipo de atitude que se poderia tomar para corrigir o comportamento absurdo e inaceitável dos ditos "menores".
Desculpem, mas é uma luta perdida. E os milhões de professores cansados, deprimidos, estressados, violentados, mal pagos, pressionados, incompreendidos e fracassados não me deixam mentir.
Ah, e em geral, a maioria das pessoas ainda os culpa por essa situação.
Olho para eles com pena, pelo que enfrentam ou ainda vão enfrentar. Mas também os olho com raiva, da sua ingenuidade (alguém disse burrice?) e por não perceberem a real dimensão do buraco em que estão se metendo.
Talvez agora tenha ficado mais claro porque foi tão fácil trancar a matrícula da pedagogia. Porque se eu não encontrar outra forma de atuar nessa área, não valerá a pena me esforçar tanto só para ter mais um diploma.

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